Febre familiar do Mediterrâneo

A febre familiar do Mediterrâneo (FFM) é uma doença de populações com origem genética na bacia do Mediterrâneo: predominantemente judeus sefarditas, árabes do norte da África, armênios, turcos, gregos e italianos. Entretanto, já houve ocorrência de casos em outros grupos (judeus asquenaze, cubanos, japoneses), o que alerta para a precaução contra a exclusão diagnóstica somente com base nos ancestrais. Cerca de 50% dos pacientes têm histórico familiar, geralmente envolvendo irmãos.

ETIOLOGIA

A FFM é causada por mutações no gene MEFV localizado no braço curto do cromossomo 16 e transmitido por herança autossômica recessiva. O gene MEFV normalmente codifica uma proteína chamada pirina, que é expressa em neutrófilos circulantes. Sua provável ação é enfraquecer a resposta inflamatória, possivelmente por inibir a ativação de neutrófilos e a quimiotaxia. Mutações gênicas resultam em defeitos na molécula da pirina; a hipótese é de que a pirina não consegue suprimir gatilhos menores desconhecidos que provocam inflamação que costumam ser verificados por pirina intacta. A consequência clínica é o surto espontâneo de inflamação com predomínio de neutrófilos na cavidade abdominal e outros locais.

SINAIS E SINTOMAS

O início da febre familiar do Mediterrâneo geralmente é entre os 5 e 15 anos de idade, mas pode ocorrer muito mais cedo ou muito mais tarde, mesmo durante a infância. As crises não têm um padrão regular de recorrência. Geralmente duram 24 a 72 h, mas podem durar por um período de tempo maior. A frequência varia de 2 crises/semana a 1 crise/ano (mais comumente uma crise a cada 2 a 6 semanas). A gravidade e a frequência tendem a diminuir durante a gestação e em pacientes com amiloidose. Remissões espontâneas podem durar anos.

A principal manifestação é a febre alta de até 40°C, acompanhada de peritonite. Cerca de 95% dos pacientes apresentam dor abdominal que se inicia em um dos quadrantes e se espalha por todo o abdome, com gravidade variável em cada crise. Diminuição dos ruídos intestinais, distensão, defesa e sensibilidade têm probabilidade de ocorrer no pico de uma crise e não podem, pelo exame físico, ser diferenciados de víscera perfurada. Consequentemente, muitos pacientes são submetidos à laparotomia de urgência antes mesmo de ser estabelecido um diagnóstico correto. O comprometimento do diafragma pode causar dor em um ou ambos os ombros.

Outras manifestações da FFM incluem pleurisia aguda (em 30%), artrite (em 25%) envolvendo joelho, tornozelo e quadril, erupção tipo erisipela nas pernas, edema e dor escrotal causada pela inflamação da túnica vaginal do testículo. A pericardite ocorre raramente. Entretanto, manifestações pleurais, sinoviais e cutâneas têm frequência variável entre as diferentes populações.

Apesar da gravidade dos sintomas durante as crises, a maioria dos pacientes recupera-se com rapidez e permanece livre da enfermidade até a próxima crise.

COMPLICAÇÕES DA FEBRE FAMILIAR DO MEDITERRÂNEO

A complicação mais significativa a longo prazo é Insuficiência renal crônica causada pela deposição de proteína amiloide nos rins.

Esta pode também ocorrer no trato GI, fígado, baço, coração, testículos e tireoide.

FFM causa infertilidade ou aborto espontâneo em um terço das mulheres, por formarem aderências pélvicas peritoniais que interferem na concepção. Cerca de 20 a 30% das gestaçãoes terminam com a perda do feto.

DIAGNÓSTICO

  • Avaliação clínica
  • Teste genético
O diagnóstico da febre familiar do Mediterrâneo é principalmente clínico, mas há testes genéticos disponíveis e úteis para a avaliação dos casos atípicos. Entretanto, os testes genéticos atuais não são infalíveis; alguns pacientes com FFM fenotipicamente inconfundível têm apenas um único gene mutado ou, ocasionalmente, nenhuma mutação evidente da pirina.

Dados não específicos incluem aumento dos leucócitos com predominância de neutrófilos, hemossedimentação, proteína C reativa e fibrinogênio. Excreção urinária de proteína > 0,5 g/24 h sugere amiloidose renal.

O diagnóstico diferencial inclui porfiria intermitente aguda, angioedema hereditário com crises abdominais, pancreatite recidivante e outros processos febris hereditários recidivantes.

TRATAMENTO

O uso de colchicina profilática na dose de 0,6 mg VO, duas vezes/dia (alguns pacientes necessitam quatro vezes/dia e outros uma única dose) pode levar a uma remissão completa ou melhora evidente em cerca de 85% dos casos. Se as crises ou inflamação subclínica persistirem, a dose de colchicina deve ser aumentada. Para os pacientes que apresentam crises infrequentes que têm início gradual, pode-se reservar o uso da colchicina até que ocorra o início dos sintomas e, então, começar com uma dose de 0,6 mg VO a cada hora, durante 4 h, depois a cada 2 h durante 4 h, e, em seguida, a cada 12 h durante 48 h. Não é provável que iniciar a colchicina no pico da crise seja benéfico. As crianças frequentemente precisam de doses de adultos para conseguir profilaxia eficiente. O emprego disseminado da colchicina profilática reduziu dramaticamente a incidência da amiloidose e subsequente insuficiência renal.

As mulheres afetadas não correm o risco de infertilidade ou aborto, nem ocorre o aumento do número de eventos teratogênicos com o uso da colchicina durante a gestação. A ausência de resposta à colchicina pode ser devido à má adesão ao tratamento, mas já se observou uma correlação entre a má resposta e a baixa concentração de colchicina nos monócitos circulantes. Terapias alternativas para aqueles que não respondem incluem anacinra, 100 mg, SC, 1 vez/dia, rilonacepte 2,2 mg/kg, SC, semanalmente ou canacinumabe 150 mg, SC, a cada 4 semanas.

Os opioides, são, às vezes, necessários para aliviar a dor, mas devem ser administrados com prudência para evitar dependência.


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